quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Bem-Amado




Autoria: Dias Gomes

Supervisão: Daniel Filho
Direção: Régis Cardoso
Período de exibição: 24/01/1973 – 09/10/1973
Horário: 22h

Nº de capítulos: 178

Trama/Personagens
- Primeira telenovela exibida a cores, O bem-amado foi uma adaptação de Dias Gomes para a sua peça teatral Odorico, o bem-amado, e os mistérios do amor e da morte (1962). Sob o
pretexto de narrar o cotidiano da população de uma cidade fictícia no litoral baiano, o autor satirizava, com humor e senso crítico, o Brasil da ditadura militar.
- O “bem-amado” em questão é Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), dono de uma fazenda produtora de azeite de dendê e candidato a prefeito da cidade de Sucupira. Homem de posses, mas sem cultura, Odorico é corrupto, mau-caráter e demagogo. Apesar de tudo, é adorado pelos eleitores e exerce fascínio sobre as mulheres, especialmente as mal-amadas.
- Graças à interpretação antológica de Paulo Gracindo, Odorico Paraguaçu conquistou o público. O personagem usava e abusava de uma retórica vazia, repleta de palavras pomp
osas e neologismos malucos. O próprio ator inventou várias das expressões sem pé nem cabeça que o personagem proferia sempre em tom de discurso. O jeito como Odorico abreviava conversas e raciocínios – “Botando de lado os entretantos e partindo pros finalmentes” –, os eufemismos que usava – “os cachacistas juramentados”, “a imprensa escrita, falada e televisada”, “as donzelas praticantes” –, e os peculiares advérbios que despejava em cada frase – “Deverasmente”, “Pra frentemente!”, “Pra trasmente!” – caíram no gosto popular e entraram para o foclore nacional.
Paulo Gracindo, como Odorico Paraguassu

A cidades de Sucupira não tem onde enterrar os seus mortos, tendo que recorrer às cidades vizinhas, a três léguas de distância. Com o slogan “Vote em um homem sério e ganhe um cemitério”, Odorico Paraguaçu se elege prefeito, prometendo realizar a obra que devolverá a dignidade ao povo. “O grande entretanto” – como diria o prefeito – é que, uma vez concluídas as obras, ninguém mais morre na cidadezinha. A situação deixa Odorico furioso. Sem defunto, não é possível inaugurar o cemitério, coroando de êxito sua administração. Mas, se ninguém morre, não há defunto, já que “o falecimento é condição sine qua non do estado defuntício”, nas palavras de Odorico.
- O prefeito atribui a responsabilidade pela boa saúde dos cidadãos sucupiranos ao trabalho do recém-chegado e competente médico Juarez Leão (Jardel Filho), e chega a considerar a possibilidade de ter um “coloquiamento apelatório catequizante” com o rapaz.

Quando descobre que o médico está apaixonado por sua filha Telma (Sandra Bréa), fica furioso e o inclui em sua lista de inimigos, da qual já fazem parte o Vigário (Rogério Fróes), a
corajosa delegada Donana Medrado (Zilka Sallaberry) e Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), dono do jornal local A trombeta; todos ferrenhos opositores de sua administração corrupta.

- Enquanto duela com o padre, o delegado, o médico e o jornalista, Odorico se desdobra em armações para que alguém morra e ele possa, enfim, inaugurar o cemitério e se fortalecer no poder. Suas maiores aliadas são as irmãs Cajazeiras:
- Depois de várias aventuras e artimanhas, Odorico Paraguaçu começa a se
enfraquecer politicamente, o que torna a inauguração do cemitério ainda mais urgente. Porém, nenhum falecimento ocorrera na cidade, apesar do esforço do farmacêutico Libório (Arnaldo Weiss), que vive tentando cometer suicídio, mas sempre escapa ileso, para o seu desgosto profundo. Cansado de esperar, Odorico decide tomar providências. Aproveitando a volta à cidade do temido bandido Zeca Diabo (Lima Duarte), se aproxima dele e lhe encomenda um cadáver.
Lima Duarte, como Zeca Diabo

- Zeca Diabo – cujo nome de batismo é Tranquilino – é, na verdade, um homem bom, cheio de impulsos generosos, temente ao seu “Santo Padim Pade Ciço Romão Batista”. Sem instrução e ingênuo, ele foi condenado por um homicídio que não cometeu e passou anos encarcerado. Por força dessas circunstâncias, acabou se transformando em um matador, mas se orgulha de jamais ter despachado alguém que não tivesse antes tentado lhe matar. Dorotéia Cajazeira percebe o lado terno do bandido e se apaixona por ele, oferecendo-se até para ensiná-lo a ler. Ele se dedica de corpo e alma, porque sonha um dia ser um homem educado e honesto.
- Zeca Diabo tem respeito por Odorico e o considera um protetor. Durante um tempo, ele se esforça para cumprir o trabalho para o qual foi contratado, mas todas as suas tentativas de providenciar o primeiro defunto para o cemitério fracassam. Como último recurso, Odorico manda importar da capital um primo das Irmãs Cajazeiras que havia morrido de pneumonia, para ser enterrado
em Sucupira. O problema da inauguração do cemitério parece estar resolvido quando, de súbito, explode o “Sucupiragate”.

- No capítulo final, Zeca Diabo vai até o gabinete do prefeito e o mata com t
res tiros. Nos seus últimos suspiros, cercado por Adalgisa e Dorotéia Cajazeira, que chegaram à prefeitura pouco depois dos tiros, Odorico faz questão de tentar salvar sua imagem e diz que sua morte havia sido coisa da oposição: “Interesses antipatrióticos... Uma trama internacional... Uma superpotência... Materiais atômicos... Eles querem Sucupira! Querem dominar o mundo...”
- Zeca Diabo se despede da família e parte de Sucupira. O cemitério da cidade é, finalmente, inaugurado, e Odorico é o primeiro a ser enterrado, com discurso de Lulu Gouvêia: “Adeus, Odorico, o grande, o pacificador, o desbravador, o honesto, o bravo, o leal, o magnífico...”

- O bem-amado teve ainda outros personagens antológicos: as Irmãs Cajazeiras, Dirceu Borboleta e o pescador Zelão das Asas.Ida Gomes, Dorinha Duval e Dirce Miggliaccio, as Irmãs Cajazeiras e Emiliano Queiroz, como Dirceu Borboleta.

- Na cena final, Zelão sobe no alto da torre da igreja. A imagem congela e a voz de um narrador diz: “Aqui, a nossa história pára, pois tudo o que sabemos daí em diante é de ouvir contar. Não é que a gente não acredite, pois caso um dia você vá a Sucupira vai ver que lá ninguém duvida.” A cena volta a ganhar movimento. Zelão faz o sinal da cruz e, diante dos rostos pasmos dos moradores de Sucupira, se atira do alto da igreja. Todos murmuram entre si que ele está voando, e uma tomada do alto mostra o ponto de vista de Zelão planando sobre a praça. A voz do narrador, então, retorna: E Zelão voou. “Se você duvida é um homem sem fé..”
Milton Gonçalves, como Zelão

Produção:
- Primeira novela a cores transmitida no Brasil, O bem-amado representou uma experiência totalmente nova para a equipe técnica, que encontrou dificuldades até se adaptar aos novos equipamentos e dominar a nova linguagem. Algumas cenas precisaram ser repetidas várias vezes até que o resultado fosse aprovado pelo diretor Régis Cardoso. A equipe foi aprendendo, aos poucos, coisas de que nem suspeitavam como, por exemplo, o fato de que as cenas de interior não podiam ser gravadas logo depois das externas, por causa da diferença de luz.

- Para compor o seu personagem, Lima Duarte decidiu criar o seu próprio figurino: comprou um terno em uma tinturaria próxima à Estação da Luz, em São Paulo, aonde alguns imigrantes nordestinos levavam suas roupas, sem que tivessem dinheiro para recuperá-las depois.

- Todas as cenas externas de O bem-amado foram gravadas em Sepetiba, no Rio de Janeiro.

Curiosidades
- A peça que deu origem a O bem-amado foi escrita por Dias Gomes em 1961 por encomenda de Flávio Rangel, que dirigia o Teatro Brasileiro de Comédia, na época. Baseando-se em um fato ocorrido numa pequena localidade no Espírito Santo – um candidato à prefeitura fora eleito prometendo construir um cemitério –, o autor escreveu a peça apressadamente e ficou insatisfeito com o resultado. Odorico, o bem-amado, e os mistérios do amor e da morte não foi montada na ocasião e só chegou ao público dois anos depois, publicada pela revista Cláudia. Em 1969, a peça foi encenada pelo Teatro Amador de Pernambuco. Em 1970, estreou no Rio de Janeiro, em uma montagem de Gianni Rato, com Procópio Ferreira no papel de Odorico Paraguaçu. Para a televisão, o autor desenvolveu mais os personagens e criou novos, como Juarez Leão, Donana Medrado e Zelão das Asas.


- Paulo Gracindo considerava Odorico Paraguaçu o seu melhor personagem. Em entrevista a O Globo em 1993, o ator declarou que Odorico era um sucesso tão grande que os prefeitos de todas as cidades que visitou, durante e depois da novela, queriam tirar fotos ao seu lado.


- Lima Duarte havia sido contratado pela TV Globo em 1972 para dirigir O bofe, reeditando a parceria vitoriosa com Bráulio Pedroso, com quem trabalhara em Beto Rockfeller (1969), sucesso da TV Tupi. Entretanto, O bofe não teve o retorno esperado, e o ator estava já no fim do seu contrato com a emissora, quando foi escalado para fazer um pequeno papel em O bem-amado. O personagem, que tinha importância modesta na peça original de Dias Gomes, acabou crescendo e permaneceu até o final da trama, tornando-se um dos seus papéis mais memoráveis na televisão.


- Sandra Bréa estreou em telenovelas em O bem-amado.
- Em julho de 1973, a Censura Federal proibiu que as palavras “coronel” fossem pronunciadas em O bem-amado. “Coronel” era a forma como alguns personagens – especialmente Zeca Diabo – tratavam o prefeito Odorico Paraguaçu. Os militares achavam que Dias Gomes se referia a um coronel de patente militar, quando, na verdade, ele fazia alusão aos “coronéis” do sertão da Bahia: políticos e fazendeiros que usavam sua influência para exercer poder sobre a população. A produção da novela foi obrigada a cortar a palavra de vários capítulos. A censura também implicou com as palavras “capitão” – forma como Odorico se referia a Zeca Diabo –, “ódio” e “vingança”, obrigando a equipe de produção a apagar o áudio de vários capítulos que já haviam sido gravados.


- O bem-amado foi a primeira produção da TV Globo a ser exportada e abriu o mercado estrangeiro para os produtos nacionais. Até então, apenas textos eram comercializados. O diretor Paulo Ubiratan reeditou os 178 capítulos originais, e a novela foi exibida com 223 capítulos pela emissora Televisa, do México, em 1975. Foi um sucesso, e Paulo Gracindo ganhou, no mesmo ano, um prêmio no México. O bem-amado foi vendida para vários outros países da América Latina e Estados Unidos, por intermédio da Spanish International Network. A novela também foi exibida na Nicarágaua, no Peru e em Portugal.

Em 1977, Dorinha Duval foi convidada para uma nova experiência na tevê desta vez em um programa infantil. Convidada pelo diretor Geraldo Casé, Dorinha viveu a Cuca, personagem do Sítio do Picapau Amarelo, adaptação da obra de Monteiro Lobato. Para as gravações do programa, foi construído um sítio em Barra de Guaratiba, bairro do Rio de Janeiro, com uma casa de vários cômodos, varanda, celeiro, horta, pomar e jardim. As cenas internas eram gravadas no estúdios da Cinédia, também no Rio. Encarnada na figura de um jacaré com cabelos loiros, a Cuca era uma bruxa que infernizava a vida dos habitantes do Sítio.

Em outubro de 1980, Dorinha Duval foi condenada a seis anos de prisão pelo assassinato do cineasta Paulo Sérgio Alcântara, com quem estava casada havia seis anos. Foi pra cadeia aos 62 anos, em 1996, e cumpriu oito meses de prisão em regime semi-aberto. Em 1987, começou a se dedicar às artes plásticas, mais especificamente à escultura. Não voltou a trabalhar em televisão.

Fonte:
Revista Isto É, OS CRIMES DA PAIXAO.

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[Fontes: Depoimentos concedidos ao Memória ESQUENAZI, Rose. No túnel do tempo: Uma memória afetiva da TV brasileira. Rio de Janeiro, Artes e Ofícios, 1994, pp.122-123; FERNANDES, Ismael. Memória da Telenovela Brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1997, pp.167-168; MEMÓRIA GLOBO. Dicionário da TV Globo, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003; Melhores momentos – A telenovela brasileira. Rio de Janeiro, Rio Gráfica Editora, 1980, pp.10-11]



Por Adriana Rodrigues

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