segunda-feira, 31 de maio de 2010

O produto telenovela

As telenovelas são obsolentes, mesmo industrializado e com formato padronizado, o produto cultural telenovela, como uma forma narrativa, encerra seu valor de uso ou de símbolo, após o seu período de exibição.
Daí então, subsiste ainda uma contradição em sua definição entre ser cultura ou mercadoria.
Numa telenovela, o “padrão de qualidade” necessário para a produção industrializada foi construído ao longo dos anos 60 e 70 e hoje está cristalizado.
Alguns avanços para a construção desse padrão de qualidade:
• O uso do videotape ( que no Brasil,começou a ser usado a partir de 1963 e permitiu a correção dos erros, a gravação e a edição dos capítulos das novelas, pois até então, a novela era transmitida ao vivo);
• melhores câmeras;
• edições aperfeiçoadas, sofisticação de imagem (slow motion, congelamento, efeitos, etc)
• equipamentos para cores e os cuidados com figurinos, maquiagem,iluminação e cenários;
• cidades cenográficas, construídas exclusivamente para a gravação das novelas.(A primeira novela a ser gravada em uma cidade cenográfica foi “Irmãos Coragem”, em 1970);
• os efeitos especiais e utilização de película (fase cinematográfica)
• a evolução da tecnologia nas “aberturas”das novelas;
• preocupação com a excelência do produto .

Ao longo dos últimos 50 anos as emissoras também investiram ainda em elementos que passaram a contribuir para aperfeiçoar o produto teledramatúrgico como: setores de pesquisa, análise de audiência, pesquisas de preferências do público, manutenção do interesse na novela, grupos de discussões (análises de conteúdos e elementos formais), além, é claro, dos departamentos de direção, comercialização e produção das telenovelas.As pesquisas foram decisivas nos anos de modernização e industrialização das telenovelas .

A fórmula para se escrever uma novela
Dizem que existe uma fórmula para escrever uma novela .A receita eterna que vem desde os tempos bons da radionovela: amor, ciúme, ódio, suspense , filhos separados dos pais, desencontros amorosos, infidelidades, traições, golpes etc. Os velhos chavões dos folhetins têm que vir embalados em novas roupagens, numa ambientação de realidade brasileira.
Existe no meio televisivo a crença de que são poucos os autores que dominam a carpintaria novelesca. Por isso, para que a emissora tenha certeza de que a novela vai pegar, contrata autores consagrados que já dominam o gênero e seus colaboradores que aos poucos passam também a assinar suas próprias novelas .
Depois de aprovada a sinopse , é feita uma discussão prévia .Os personagens são avaliados por partes.As estórias paralelas também já se encontram na sinopse , estruturadas e com prováveis finais. As situações da sinopse serão desenvolvidas em vários capítulos onde o autor terá a tarefa de desenvolver os diálogos e o quadro dramático. O final porém poderá ser modificado dependendo do andamento do enredo que por sua vez sofre influências da empresa, do público e do autor.
As sinopses possuem também o valor organizacional: determina o número de personagens(média de 3O a 40) ,tipo de cenografia, figurino, avaliação dos custos(primeiros passos para a produção).


‘Fazendo’ novela
A novela é idealizada com antecedência de 2 meses antes do primeiro capítulo entrar no ar .Envolve uma racionalização do processo de produção que tem de ser projetado nos mínimos detalhes - uso de equipamentos, cenários, figurinos, escolha do elenco etc.
Uma vez escolhido o elenco ,construídos os cenários e preparados os figurinos, inicia-se o trabalho de gravações.
A gerência de produções recebe os capítulos (em média 6 por semana) e faz a decoupagem de cada cena. Marca-se as filmagens diurnas,noturnas,estúdios ou externas. As gravações não são feitas na sequência da estória.
Os atores são remanejados para fazerem a maior parte das cenas durante um dia, utiliza-se os estúdios e os cenários de forma mais econômica possível. Os cenários são montados e desmontados segundo as necessidades cênicas.
As externas são mais difíceis porque é preciso providenciar todo o material de suporte que em princípio já se encontraria à disposição nos estúdios. Geralmente as cenas são feitas por duas equipes . Nos estúdios temos : iluminador, operador de microfone, cinegrafistas(3 a 4 câmeras) e o elenco. Antes das filmagens o diretor organiza rapidamente a cena .Quase não há tempo para ensaios pois o sistema de trabalho é acelerado.
Anexa ao estúdio fica a sala de corte – o switcher- onde estão o operador de áudio, vídeo e VT.
É o diretor quem controla o processo da filmagens da sala de corte.Para se comunicar com o elenco ele entra em contato com o assistente de estúdio e os cameramens que usam fones de ouvido.Desta forma ele pode transmitir as instruções aos atores em cena e corrigir o posicionamento das câmeras. O diretor seleciona as imagens mostradas nos monitores e determina a que será mostrada à audiência no “monitor de saída”.
Como os cortes já foram feitos no switcher cabe ao editor montar as cenas.
A sonoplastia é o último elo da cadeia de fabricação de uma telenovela.O produto já lapidado nas fases anteriores chega com imagens e vozes dos atores .Cabe ao sonoplasta inserir as trilhas sonoras e os ruídos(trabalha com discos, gravações , arquivos de som ).Aqui entram os interesses da indústria fonográfica que aponta o leque de músicas que vão entrar.


A novela e o público
Hoje, a telenovela apresentada com um padrão estético já consolidado e a definição do seu perfil torna-se bem oportuna:
1) Destina-se a um consumo indiscriminado.Chega ao culto e ao não culto.Tal realidade lhe dá forma e conteúdo.
2) Vive da aceitação do mercado. A telenovela está em íntima relação com quem a consome.O telespectador é pesquisado, conhecido, logo sua opinião tem peso.
3) Como uma obra aberta, seu mercado se manifesta ao longo dos capítulos e precisa ser permanentemente "consultado"por pesquisas.
4) A telenovela possui um ritmo industrial, sua produção precisa obedecer a um cronograma específico para não comprometer o fluxo dos demais programas.
5) A telenovela deve fala a língua do telespectador: suas proposições estéticas e culturais devem-se enquadrar no repertório conceitual do público .
6) Dificilmente a telenovela é obra de um criador isolado. O resultado final depende da equipe realizadora e dos propósitos e condições oferecidas pelo canal produtor, embora, por outro lado, apesar disso, possa haver a presença estilística dos autores , marcando acentuadamente o produto Essa contradição é típica da telenovela: ao mesmo tempo em que é obra de autor, o é de equipe .Sem se compreender tal dualismo é difícil alcançar a complexidade do seu processo de feitura."( Conceituação reproduzida pelo crítico Arthur da Távola O Globo, Rio de Janeiro , 15/4/85 ) .
A telenovela, mesmo sendo uma ficção “realiza-se” emocionalmente. O público está afetivamente ligado àqueles personagens de ficção .O público que não consegue viver com a realidade, o “aqui e agora” da vida, lança mão da ficção, da fantasia. Satisfaz sua expectativa desejante e reforça o desejo. Os atores inserem nos personagens, comportamentos inspirados nas expectativas sócio-econômicas dos telespectadores . Onde existe a carência, (afetiva/emocional/econômica), está lá a novela para “preencher”esse vazio. A ficção televisiva, trabalha com as nossas carências. Se você não recebe , diariamente, aquele beijo estonteante pleno de desejo e amor intenso, veja tudo isso na novela. Ali é o espaço da pseudo-satisfação . As fantasias, as alegrias,as resoluções e reconcialiações proporcionadas pela televisão, fazem as pessoas perceberem em quão carentes são suas vidas , quão insatisfeitas e descontentes elas permanecem.
Porém, continuam ajustadas àquele alívio temporário que têm ao acompanhar uma história romântica, seja pela televisão e até mesmo no cinema. O consolo e o efeito catártico agem para que o telespectador se resigne à realidade de vida severa e insatisfeita , que é a sua realidade.
A novela hoje usa mecanismos mais naturalistas, aproxima-se mais do cotidiano do telespectador, dessa forma, provoca com mais intensidade, a identificação dele com o que acontece no enredo que se desenvolve.
A novela estabelece os programas mínimos de aspirações de todas as classes sociais. Está lá a empregada, a patroa, a adolescente rebelde, a mulher descasada, o empresário, o profissional liberal, o artista, o homossexual, o desempregado, etc.
A telenovela tem poder mimético: capta do meio social suas pretensões e funciona como informação, entretenimento, ficção. E dá prazer assistir, pelo menos, satisfaz as necessidades supérfluas dos telespectadores.
Para os pensadores alemães da Escola de Frankfurt a indústria cultural modela os gostos e as preferências das massas, formando suas consciências ao introduzir o desejo das necessidades supérfluas, portanto , pretende excluir as necessidades concretas e que , realmente proporcional satisfação e felicidade.

Fonte:

ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade
MATTOS, Sergio. Um perfil da TV brasileira.
TÁVOLA. Artur da. A telenovela brasileira. Ed. Globo.
VIEIRA, R. Amaral. Papel do Rádio e da Tevê na Formação da Cultura Brasileira. (1980)